Desmatamento na Amazônia atinge a maior área dos últimos 15 anos

Volume é 21,97% maior do que o registro anterior e contraria discurso do governo; ambientalistas criticam atraso na divulgação, que deveria ocorrer durante a COP-26

O Brasil registrou o maior índice de desmatamento dos últimos 15 anos na chamada Amazônia Legal, que engloba o território de nove Estados. Nesta quinta-feira, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, informou que, entre agosto de 2020 e julho de 2021, foram desmatados 13.235 quilômetros quadrados de floresta na região. Em resposta, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirmou que o governo federal atuará “de forma contundente contra qualquer crime ambiental”. Esse volume é 21,97% maior que o registro no mesmo intervalo de 12 meses anterior, quando a área devastada foi de 10.851 km².

Os dados consolidados pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélites (Prodes) são conhecidos como a informação técnica mais precisa sobre a medição de desmatamento no País. Para chegar ao levantamento, foi detalhada a situação de 106 cenas prioritárias em todos os Estados que compõem a região.

O Pará é o Estado com a maior taxa de desmatamento, respondendo sozinho por 5.257 km² de devastação, o equivalente a 39,72% da área total. Amazonas é o segundo Estado mais afetado, com 2.347 km² (17,73%), seguido pelo Mato Grosso, com 2.263 (17,10%).

O dado é contrário ao discurso de proteção ambiental que o governo Bolsonaro apresentou na Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP-26, com o argumento de que tem protegido a Amazônia. Desde 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo, praticamente dobrou o volume de desmatamento na região. O índice medido de julho de 2017 a agosto de 2018 foi de 7.536 km² de desmatamento na região.

Já em 2019, o volume saltou para 10.129 km². No ano passado, em nova alta, chegou a 10.851 km². Agora, atinge 13.235 km², só atrás do que se viu em 2006, quando a área desmatada chegou a 14.286 km², no governo Lula.

O desmatamento responde por quase metade das emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Segundo estudos, já existem áreas da Amazônia que emitem mais CO2 do que absorvem, diante do avanço do desmate e das queimadas.

Chama a atenção o fato de que o documento do Inpe com os dados oficiais ter a data de 27 de outubro, mas ser divulgado só em 18 de novembro, ou seja, a informação só foi conhecida 22 dias após o documento ser elaborado e depois de ser encerrada a COP. Segundo nota do sindicato dos servidores da área de Ciência e Tecnologia, o governo e a direção do Inpe teriam conhecimento dos dados desde meados de outubro, mas só agora houve aval para divulgação. Questionado sobre a diferença das datas, o ministro afirmou que só teve contato com os dados nesta quinta-feira.

Dificuldades para receber doações
Os números expõem ainda a dificuldade que o Brasil terá para superar a desconfiança internacional nas discussões sobre ambiente. Como o Estadão mostrou nesta quinta-feira, a série de compromissos revistos e assumidos em Glasgow, não foi o bastante para destravar contribuições bilionárias de países europeus ao Fundo Amazônia, mecanismo que recebia doações estrangeiras para financiar ações de proteção da floresta. O ingresso de novos recursos foi bloqueado no primeiro ano da gestão Bolsonaro por causa da destruição acelerada do bioma. A Alemanha afirma que não pretende dar mais dinheiro enquanto o Brasil não demonstrar como vai implementar seus compromissos da COP. Já a Noruega deseja ver nova redução substancial no desmatamento para retomar doações.

“Para mim, é difícil ver como o Brasil vai reduzir o desmatamento no próximo ano em 15%, porque não tem pessoal, não tem financiamento e não tem muito tempo”, disse Heiko Thoms, embaixador da Alemanha, ao Estadão.

João Paulo Capobianco, ex-coordenador do Plano de Prevenção e Controle ao Desmatamento da Amazônia (2003-2008) e membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, critica “o fato de que a nota divulgada pelo Inpe é de 27 de outubro”, anterior à COP. “Trata-se da primeira vez em que o Prodes não foi divulgado antes ou durante a COP. O governo foi a Glasgow já ciente da taxa de desmatamento, mas, ainda assim, não a informou para as Nações Unidas”, afirmou ele. “Outro fator chocante é o aumento em si do desmatamento, que ocorreu apesar de anos de investimento maciço na presença das Forças Armadas na Amazônia. Só comprova o que era sabido por todos que acompanham a pauta ambiental: desmate se combate com planejamento e intervenções em áreas definidas de forma estratégica, e não pelo mero deslocamento de milhares de soldados, sem planejamento interno, para uma área de dimensões continentais”, acrescentou ele.

“Este é o Brasil real que o governo Bolsonaro tenta esconder”, afirmou Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil.

Os ministérios da Justiça e do Meio Ambiente anunciaram nesta quinta-feira que estão preparando ações integradas, com participação de inteligência policial, para coibir o desmatamento no País. Em entrevista coletiva, o ministro da Justiça, Anderson Torres, prometeu uso de “toda a força” para coibir crimes ambientais e permitir que o País cumpra metas assumidas na COP-26 de zerar o desmatamento ilegal.

Já o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirmou que o governo precisará ser “mais contundente” para combater o desmatamento, após reconhecer que os números ainda são um “desafio”. “Não refletem a atuação dos últimos meses, que estamos sendo mais presentes e a Força Nacional, com Ibama e ICMBio, tem atuado em 23 municípios de forma permanente. Quero deixar claro que o governo irá atuar de forma contundente contra qualquer crime ambiental. Nós aumentamos para 700 o número de homens, especialmente da Força Nacional.” Completando, disse que o governo pretende ampliar a operação Guardiões do Bioma, contra incêndios.

Imagem: Paulo Whitaker/Estadão