‘É mais fácil encontrar culpado do que solução’, diz Silva e Luna sobre preço dos combustíveis
Entrevista com General Joaquim Silva e Luna, presidente da Petrobras, Estadão
“É muito mais fácil encontrar um culpado do que uma solução.” Dessa forma, o general Joaquim Silva e Luna deixa claro não aceitar o rótulo imposto pelo presidente Jair Bolsonaro de responsável pela disparada no preço dos combustíveis no Brasil. Indicado pessoalmente pelo presidente para o comando da Petrobras há um ano, o general passou por semanas de “fritura” pública, mas evitou insubordinação. Na segunda-feira, 28, foi comunicado pelo ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) da demissão decidida por Bolsonaro.
De sua sala, na sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, o general revelou, em uma videochamada ao Estadão/Broadcast, que não conversa com o presidente da República há dois meses. Discreto, o militar revela desconforto com a forma como afastado e diz que é preciso respeitar sua biografia. No cargo até o dia 13, Silva e Luna nega que tenha lhe faltado jogo político e comunicação. E diz que só “com sorte” seu sucessor, Adriano Pires, poderá cumprir a missão que exige Bolsonaro.
“Vamos ver se meu sucessor tem sorte, de ele chegar aqui e acabar a guerra. Que esse conflito de oferta e demanda se equilibre.”
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
O sr. se sentiu abandonado quando todas as críticas em torno do aumento dos combustíveis foram concentradas na Petrobras?
Eu não diria abandonado, não. Vou usar uma expressão que está no meu interior. Sou uma pessoa religiosa, acredito em Deus. Então, meu grande conforto é que sempre me sinto acompanhado e fortalecido. Minha relação com o Ministério de Minas e Energia não foi afetada em nada, sempre tive um contato permanente com o ministro Bento Albuquerque, com a equipe dele.
O que diria hoje para o presidente Bolsonaro sobre sua passagem pelo comando da Petrobras? Chegou a conversar com ele depois do anúncio da troca?
Não conversei. Próximo de dois meses que a gente não tem conversado. Tem trocas com (interlocutores), mas contato pessoal, não. Eu diria o seguinte: que ele tem na Petrobras, talvez, uma empresa que qualquer país do mundo gostaria de ter, que representa 4% do PIB. Uma empresa que é reconhecida mundialmente. Se falar em Brasil, alguém vai pensar em perguntar sobre Petrobras.
Diria mais alguma coisa?
Que, na Petrobras, uma equipe mais dedicada e leal, impossível. Que agiu com correção em todos os momentos, ganhou no ano passado dez prêmios de conformidade, governança e sustentabilidade. Tem no conselho e na presidência uma pessoa que é fiel, leal e continuará sendo. Não tem ressentimento nenhum, mas queria que houvesse essa compreensão. Para o período de crise que nós tivemos, chegamos a ficar 152 dias sem reajustar o preço do GLP e 57 dias sem alterar o preço da gasolina. O câmbio ajudou um pouco, mas assumimos (o risco) e a empresa deu lucro. Esse lucro todo é devolvido à sociedade. Eu gostaria que houvesse essa compreensão do que tem na empresa. Meu sucessor vai estar aqui para dar prosseguimento. Mas que tenha esse olhar para a empresa, para o que ela pode oferecer para o País, que é muito.
Mas o sr. acredita que Bolsonaro teve essa compreensão?
Eu não sei. Como nesses últimos dois meses não tivemos contato, não sei. Mas precisaria ter. A solução que o mundo inteiro está dando nesse momento são os subsídios por um período temporário para aquelas classes que precisam. É esse o caminho que deve ser feito.
O sr. acredita que a privatização seja a solução para a Petrobras, para fugir da interferência do governo?
Eu diria que, para tirar essa pecha de que é o presidente que é o culpado pelo aumento de preço, eu diria que é uma solução, sim. Hoje se sabe que o valor da Petrobras está represado em função desse risco.
Como o sr. se sente saindo como o responsável pelo custo da gasolina hoje, pela alta da inflação? E colocaram para seu lugar o consultor Adriano Pires, que sempre defendeu a atual política de preços da Petrobras…
A empresa tem uma governança muito forte, que foi construída a partir de problemas que aconteceram no passado. Dentro desse quadrado legal, o que se pode fazer é o que fizemos. A ideia de preço de paridade de importações, que é uma referência, isso está mais do que compreendido. Não aceitar isso é que é difícil. Agora, muitas vezes, o pessoal diz que é muito mais fácil encontrar um culpado do que uma solução. Talvez esse endereçamento tenha sido só para ficar na empresa, mas a gente sabe que o preço do combustível, se pegar a gasolina, por exemplo, é um terço do valor, depois tem tributos, tem serviços, e isso não está no nosso colo.
Esta semana seu antecessor no cargo, Roberto Castello Branco, disse que recebia mensagens de Bolsonaro sobre preço dos combustíveis. O sr. também recebia?
A minha relação com o presidente sempre foi muito respeitosa, recíproca, da minha parte 100% leal, imagino que da dele também. Pode ter seu momento ou sua forma de dizer também. Mas são contatos que eu preferia não comentar. Tivemos encontros de diversas naturezas, para tratar de covid, para tratar de outros assuntos…
Mas o sr. não se sentiu pressionado diretamente por ele?
Pressionado não, não deixei de trabalhar da forma que eu trabalhava, seguindo meu regramento. Eu respondia as perguntas, mas nunca alterei a voz, nunca mantive um tratamento que não fosse respeitoso e 100% leal.
O sr. não acha que esse cenário de trocas no comando da Petrobras atrapalha estratégia de longo prazo e a visão do investidor?
Acho não, afirmo que sim! Atrapalha porque, primeiro, gera uma instabilidade. O mercado fica instável. Essa (sucessão) estamos fazendo com todo o equilíbrio do mundo. Conversei com meu sucessor, com muita elegância. Não pessoalmente, mas por telefone. Eu fico até 13 de abril, não vou sair antes. O trabalho continua normal, temos a maior serenidade para fazer as coisas, porque a Petrobras é do Brasil, é um bem muito importante para o País, é 4% do PIB do País. Ela é dos brasileiros. São 63% dos investidores privados, sim, mas 750 mil são brasileiros, que colocaram no FGTS, muitas vezes, a esperança aqui dentro. Quando está se pagando dividendos para a União também está se pagando dividendos para os brasileiros. De qualquer maneira, tudo o que a Petrobras gera, ela gera para o Brasil. Nós temos de preservar essa imagem.
O que aconteceu nos bastidores enquanto o sr. recebia muitas críticas do governo? Como o sr. se sentiu durante esse período?
Há 53 anos eu fiz um juramento que termina dizendo que vou honrar a integridade das instituições, defender com a própria vida. Ser leal a essas instituições está no meu DNA, então, zero de risco de eu querer atacar qualquer instituição ou qualquer rosto que represente uma instituição, jamais farei isso.
Mas foram muitas críticas…
Com relação às críticas, sempre que a gente recebe, a gente se machuca. Tem duas coisas que é preciso preservar. Uma é a reputação pessoal, que também passa a ser a reputação da empresa, porque o meu rosto é o rosto da Petrobras. A outra é a minha biografia, que pertence à minha família. Tenho de cuidar. Quem ficou como eu mais de 50 anos dentro das Forças Armadas, que tem amigos para todos os lados, superiores, chefes e subordinados, que tem uma expectativa sobre a gente, que acompanhou a carreira… Eu saí de cadete para general de Exército, essas pessoas não podem achar que em algum momento passaram 55 anos sendo enganadas por alguém, que tinha um perfil diferente. Esse cuidado eu tenho. Isso é sagrado para mim.
O que incomoda então é o impacto que essas críticas podem ter na sua biografia?
Isso, na minha reputação, na minha biografia. Eu quero que olhem para trás, que verifiquem dentro da própria empresa se tem algum senão. Não tem, não vão encontrar. Agora, mudança (no comando da empresa) é natural. Não vejo nenhuma complicação nisso. A forma (de fazer a troca), o jeito aí é de cada um. Não me cabe julgar.
Mas foi uma forma meio turbulenta, com notícias diárias nos jornais. Isso não deixa o processo mais confuso?
Um desgaste emocional gera sim. Gera também para o entorno afetivo que a gente tem, de amigos e familiares
Não é complicado lidar com as críticas do presidente Bolsonaro ao lucro de mais de R$ 100 bilhões obtido pela estatal em 2021? Atrapalha o trabalho?
Afeta sim, afeta. Aí eu acho que faltou compreensão ou um bom assessoramento para esse tipo de narrativa, faltou. Lucro é consequência de investimento e, no caso especifico da Petrobras, é dos desinvestimentos que foram feitos, de 20 e poucos bilhões de reais, parte daquilo ali são desinvestimentos, e também pelo fato de estar concluindo colocar a dívida em um nível saudável , o que antes era colocado para pagamento de dívida, de juros, passou a ser colocado para lucro, ou está pagando dívida, ou está fazendo investimento, ou está pagando dividendos para seus acionistas. Essa compreensão faltou.
Hoje (ontem, dia 31) no formulário 20F, a empresa faz um alerta à SEC sobre uma possível mudança na política de preços dos combustíveis. Qual o motivo deste alerta agora?
Isso é uma rotina que se repete. O texto é muito próximo do de 2019, 2020 e 2021. Fazemos isso para a bolsa de valores americana e para a SEC (a comissão de valores mobiliários dos EUA). Alinhavamos 40 riscos que foram computados, esse é um deles. Esse risco existe? Existe, mas não quer dizer que isso vá acontecer. O (formulário) do ano passado é quase uma cópia. Sempre teve, sempre foi feito. E, com relação a isso aqui, como ano passado teve mudança no CEO da empresa, é um caso semelhante ao que está acontecendo agora. A época do ano é essa. Não é porque está acontecendo isso. É porque o momento é esse.
Dizem que o presidente Bolsonaro pediu para seu sucessor Adriano Pires melhorar a comunicação da estatal com a população e ampliar a interlocução com o Congresso Nacional. O sr. acredita que sua gestão pecou na comunicação?
Tão logo eu me dei conta que a Petrobras não é autoexplicativa, que aquilo que é óbvio precisa ser mais bem compreendido, nós avançamos com uma quantidade muito grande de informações. Foram mais de 20 vídeos rodando por aí, informações que a gente presta à sociedade, nosso site tem muita informação. O que temos de limitação hoje são recursos para fazer publicidade, e em ano eleitoral isso é mais limitado ainda. A Secom (Secretaria de Comunicação) condiciona aquilo que podemos empregar. O que não é da minha natureza é ficar circulando na Esplanada, ficar transitando pelo Congresso, isso não é da minha natureza. Já fui ministro da Defesa, fiquei muitos anos em Brasília, mas isso não é da minha natureza.
O sr. acha que faltou um pouco do jogo político?
Não, eu diria que está se casando a pessoa com a narrativa. Ao ser escolhido alguém que permanentemente está em contato com a sociedade, aí se tem uma boa justificativa. Se criou uma narrativa a partir de um fato concreto.
O sr. sentiu muita pressão política sobre as decisões da Petrobras?
Não alteramos nenhuma decisão. Tomamos todas as decisões técnicas, usando o que a gente tem de usar, que é a nossa diretoria executiva, o nosso conselho. Trabalhamos permanentemente com eles. Em nenhum momento esse grupo me abandonou pessoalmente e deixou a empresa resvalar em alguma ação que a empresa tinha de tomar. Foram decisões de caráter técnico, os nossos investimentos, o nosso trabalho. O dia-a-dia da empresa não foi afetado. Logicamente, a gente sente de alguma forma, cada dia um fato, uma notícia, uma coisa ruim. Rezando para que o preço caísse, o (petróleo tipo) brent caísse para esse momento passar. Esse momento não chegava e só complicava mais ainda (com a alta no preço do petróleo no mercado internacional).
Até agora não teve nenhum alívio…
Vamos ver se meu sucessor tem sorte, dele chegar aqui e acabar a guerra. Que esse conflito de oferta e demanda se equilibre.