Dia Internacional da Mulher: na política, elas continuam em nichos

De Cristiane Norberto e Maria Eduarda Ageli

Desde 2009, partidos políticos brasileiros são obrigados a lançar ao menos 30% de candidaturas femininas para os cargos eletivos. No entanto, os repasses proporcionais de recursos ao percentual de candidaturas começou a ser obrigatório apenas em 2018. Foi essa mudança que fez com que o Congresso Nacional conseguisse eleger 84 mulheres – 77 na Câmara e 7 no Senado – naquele ano, o que representou um aumento de 52,6% da presença feminina nas Casas Legislativas Federais, comparado a 2014.

A maioria delas foi eleita para o primeiro mandato. Contudo, no total, o número é de pouco mais de 15% do total das Casas. A quantidade revela que o parlamento ainda possui uma baixa representatividade de gênero. Ações pontuais tentam reverter essa situação, mas ainda são insuficientes por falta de um pensamento social coletivo que as unifique. Partidos, geralmente puxados por mulheres, realizam essas atividades.

Por exemplo, ao firmar a federação com a Rede Sustentabilidade, o Psol destaca que a união entre os partidos visa promover mais candidaturas de mulheres, em especial as negras, indígenas, LGBT+. Outra iniciativa, dessa vez da deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP), cria um curso gratuito de capacitação política para mulheres, com o objetivo de inseri-las em espaços de poder. Lançado no último final de semana, o projeto já conta com quase 300 inscrições.

Até mesmo nas eleições para a presidência da República esse espaço é suprimido. Prova disso é que, nos últimos 20 anos, apenas três mulheres se candidataram ao cargo. Desta vez, a única participação é da senadora Simone Tebet (MDB-MS). “Espero ver aprovado no Senado o meu projeto que garante 30% de mulheres nos diretórios partidários. Com mulheres nos comandos dos partidos, candidaturas-laranja serão combatidas e serão escolhidas candidatas com real potencial para vencer as eleições”, afirmou a parlamentar.

De acordo com a coordenadora da bancada feminina na Câmara Federal, Celina Leão (PP-DF), é preciso criar consciência nos partidos e que as mulheres possam votar em mulheres. “É um esforço coletivo. Os próprios partidos precisam investir e acreditar, além de colocar mulheres candidatas de verdade. As mulheres também precisam votar em mulheres. A questão do fundo eleitoral dobrou o nosso número no parlamento e agora, com mais maturidade, os partidos precisam entender que não existe espaço para retrocesso. A justiça eleitoral tem sido muito rígida, inclusive caçando chapas. É preciso tratar esse tema com seriedade e a mulher ter consciência, encontrar mulheres que se identificam e que possam confiar o voto delas. É assim que vai diminuir essa discrepância na vida pública”, afirmou.

Na avaliação de Andrea Costa, especialista em direito da mulher e direito eleitoral, sócia do Loureiro, Costa e Sousa Advogados, a violência política contra as mulheres é muito grave e afasta a participação delas nesse meio. Segundo ela, essa violência começa dentro dos próprios partidos, ao afastarem as mulheres do cotidiano partidário e das suas manifestações e decisões diárias.

“É preciso assegurar a punição daqueles que de alguma forma procurarem desenvolver propaganda eleitoral difamatória, pois irá coibir maior crime praticado contra as candidatas. Estamos longe do mundo ideal, mas o TSE tem sido um forte parceiro da democracia, assegurando com inúmeros programas e resoluções incentivando a participação das mulheres na política e o cumprimento da legislação pelos partidos”, disse.

Vale lembrar também que, nas eleições de 2022, serão aplicadas duas novas regras: a lei 14.192/21, que tipifica como crime eleitoral as práticas de assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato; e a contagem em dobro dos votos recebidos por candidatas para o cálculo destinado à repartição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Congressistas reivindicam espaço
As mudanças legislativas permitiram garantir um mínimo de mulheres num pleito eleitoral e obrigaram partidos a bancar as campanhas igualitariamente. Afinal, não basta incluir um percentual feminino e não viabilizar financeiramente as campanhas. Aliado a isso, como forma de elevar a participação delas nas legendas, a justiça eleitoral também impôs aos partidos políticos a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, com aplicação de multa em caso de descumprimento.

Para a senadora Leila Barros (Cidadania-DF), as mulheres são essenciais no avanço de pautas, mas devem se esforçar para fazer parte da política ativamente. “A conquista do voto feminino assegurou a cidadania política às mulheres brasileiras e criou a perspectiva de uma democracia com a verdadeira participação de todos. Porém, passados 90 anos deste feito, e mesmo que a gente represente mais de 50% do eleitorado nacional, as mulheres ainda não têm a devida representatividade na política. Está mais do que provado que ter mulheres na política traz grandes conquistas. É o caso, por exemplo, da aprovação de matérias importantes, como a Lei Maria da Penha e a Lei que criminaliza o Stalking. A participação feminina nos espaços de poder vem aumentando, mas ainda precisamos avançar muito mais”, afirmou.

Concomitante com este pensamento, a deputada federal Vivi Reis (Psol-PA) destaca que as decisões sobre o rumo de um país devem ser tomadas por pessoas que sentem diariamente a realidade de desigualdades e opressões. “Por isso, é fundamental que tenhamos mulheres na política e que as mulheres possam, através do seu voto, decidir não apenas quem serão seus representantes, mas também serem eleitas para ocupar os espaços da política institucional, principalmente em regiões como a Amazônia e o Norte que já são normalmente sub representadas e invisibilizadas no debate nacional”, disse.

Outro ponto que as separa dos espaços públicos está relacionado ao atentado à honra das candidatas. Em todas as eleições, as mulheres que se candidataram precisavam se preparar emocionalmente para ataques à sua honra e à sua integridade moral. Inclusive, falsas acusações de traição, de vida desregrada, com vídeos falsos de conteúdo sexual, entre outras barbaridades, foram ventiladas para manchar a imagem delas.

“O próprio ambiente político é muito machista. Se uma mulher se posiciona de forma firme dentro do Congresso Nacional, ela é chamada histérica, de maluca. Se o homem se posiciona de forma firme, ele é chamado de corajoso. A gente tem muito que avançar ainda, a sociedade ainda esconde parte desse machismo, debaixo do pano, como se ele não existisse. As mulheres percebem isso todos os dias em casa, no ambiente de trabalho e principalmente no ambiente da política que sem dúvida posso afirmar, é o ambiente mais machista que existe”, pontuou Joice Hasselmann.

A procuradora da Mulher na Câmara, deputada Tereza Nelma (PSDB-AL), também frisa que é preciso credibilizar mais as mulheres. “Nós temos ainda que fazer o exercício de acreditar mais na mulher. Temos que acabar com essas mentiras que inventaram – que mulher não vota em mulher. Isso não existe. Nós gostamos, sim, de participar da política. É só ver o resultado dos partidos, das filiações. 45% das filiações dos partidos são de mulheres. Então por que dizer que mulher não gosta da política? A mulher gosta de política, sim. E só se faz grandes mudanças na política com a participação feminina”, disse.

Maria Stela Grossi, professora aposentada do Departamento de Sociologia da UnB, ainda reforça que os estigmas de que as mulheres não entendem de política são latentes e devem ser rechaçados. “Acho que a única maneira que as mulheres têm de conquistar seu espaço é se mostrarem ativas, participando politicamente. É na participação política que as mulheres mostram o quanto elas estão conscientes”, afirmou.

A especialista também frisa que, ainda que a igualdade esteja sendo conquistada, ainda não pode ser considerada como regra. “Quando as mulheres entram nas competições eleitorais, elas têm que disputar em igualdade de condições. A gente vive um momento em que os preconceitos estão sendo mais denunciados, mas não deixaram de existir, não deixaram de acontecer. O Dia Internacional da Mulher acaba sendo um dia propício para apontar essa maior visibilidade da contribuição feminina para a conquista da democracia”, finalizou.

Correio Brasiliense