‘Janela partidária’ deturpa a política

Opinião Estadão

Muitos enxergam na maioria dos partidos políticos merasestruturas administrativo-financeiras para viabilizar a eleição de pessoas

Fortalecidos pela fraqueza de um presidente da República que tem aversão ao trabalho, não sabe o que é governar e jamais deu sinais de que gostaria de aprender, os partidos políticos que compõem o Centrão, sobretudo PL, Progressistas e Republicanos, aumentaram muito seu poder de barganha para atrair parlamentares durante a chamada janela partidária, período em que deputados podem trocar de partido sem perder o mandato.

O PL, ao qual Jair Bolsonaro se filiou recentemente, deve ser o partido com a maior bancada na Câmara ao final da janela partidária, que vai de 3 de março a 1.º de abril. Estima-se que a legenda, um protetorado do notório Valdemar Costa Neto, deverá saltar de uma bancada de 43 para 65 deputados federais, enquanto o recém-criado União Brasil, quando as negociações terminarem, poderá ter uma bancada de até 61 deputados. O Progressistas, partido do atual presidente da Câmara, Arthur Lira, e do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, deverá ter uma bancada de 52 deputados, 10 a mais do que tem hoje. Já a bancada do Republicanos deverá crescer de 31 para 34 deputados.

Partidos outrora mais consistentes, como MDB e PSDB, deverão perder deputados. O caso do PSDB é paradigmático. A despeito de ter realizado prévias e ter um pré-candidato à Presidência da República, próceres tucanos cogitam a céu aberto renunciar à candidatura presidencial para privilegiar a formação de bancadas no Congresso, sobretudo na Câmara.

Há razão para isso, nada nobre, mas há. Como fio condutor de todas as negociações para o troca-troca de partidos durante a janela de março está o dinheiro dos fundos públicos que irrigam as contas das legendas – o Fundo Partidário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o chamado fundo eleitoral –, além dos recursos bilionários do “orçamento secreto”, mecanismo que forjou a compra de uma tênue base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Tudo mais é periférico nas conversas.

Para os caciques partidários, o que está em jogo é a formação de bancadas na Câmara, pois, quanto maior a bancada, maior o quinhão que a legenda recebe dos fundos públicos e, não menos importante, maior é seu poder sobre o próximo presidente da República, seja quem for. Os deputados que tentarão a reeleição neste ano, por sua vez, não são movidos por sentimentos mais altaneiros: estão atrás de recursos que viabilizem as suas campanhas. E nesse jogo de interesses a orientação ideológica ou a consistência programática dos partidos são as menores preocupações dos candidatos.

A descaracterização da política partidária não é um fenômeno recente no Brasil, mas chegou ao paroxismo nos últimos anos, à vista de todos. Hoje, em prejuízo da democracia representativa no País, não são poucos os partidos políticos que se converteram, na prática, em “empresas” cujo principal objetivo é assegurar os interesses de seus donos, servindo apenas como meras estruturas administrativo-financeiras para viabilizar eleições de pessoas.

Não é ruim, nem sequer errado, enxergar os partidos políticos como meios de obtenção de poder político. Seria até uma incongruência, haja vista que a filiação partidária é uma das condições de elegibilidade determinadas pela Constituição. O problema reside na má concepção do papel dos partidos políticos – que vai muito além do caráter instrumental da obtenção de mandatos eletivos – e no animus que permeia o processo de filiação partidária.

É triste, mas é a realidade tal como está posta. A democracia no Brasil será tanto mais vigorosa quanto mais fortes se tornarem os partidos políticos em termos de orientação ideológica e consistência programática, além, evidentemente, de propiciarem maior coesão entre seus filiados. Contudo, nada indica que, às vésperas da abertura da janela partidária e em meio às negociações para formação das federações, o País esteja caminhando nessa direção.

O quadro só será revertido com a aprovação de uma reforma política que melhore as condições de representação e dê fim à excrescência do financiamento público dos partidos, aproximando-os, afinal, de seus eleitores.